top of page

 

 

 

 

 

 

 

                       Estrela de Nariën
                       Sombras de Morte

 

               

                                                                        Prólogo

 

 

 

  O céu apresentava-se com uma estranha coloração. Nuvens de um cinzento avermelhado cobriam-no como um espesso manto. O vento criava remoinhos de poeira que varriam toda a planície estéril, sobre a qual era visível o que fora outrora uma imponente cidade. Da sua muralha pouco ou nada restava, casas, edifícios, todos haviam sido total, ou parcialmente destruídos. Vidros espalhavam-se pelas pedras da calçada, como estrelas no céu noturno. Não era visível qualquer habitante.

  Um cavalo de pelagem branca e longas crinas prateadas surgiu no horizonte. Galopava velozmente na direção da cidade, tomada por um silêncio sepulcral. O seu cavaleiro incitou-o ao atravessar, aquela que antes fora a entrada principal. O ruído dos cascos sobre as pedras da calçada quebrava o silêncio. Na sua frente surgiram destroços. O belo corcel parou, empinando-se, as suas patas dianteiras agitaram-se no ar. O cavaleiro acalmou-o, ao pousar uma mão no seu dorso. Puxou levemente as rédeas para a esquerda, obrigando a montada rodar sobre si. Percorreram alguns metros em sentido contrário, parando novamente. O cavalo deu meia volta.

  Uma rajada de vento fustigou tudo à volta. O cavaleiro bateu fortemente nos flancos do cavalo, fazendo-o avançar. A distância que os separava dos destroços encurtou rapidamente. O cavalo saltou sobre estes, continuando de imediato a sua corrida desenfreada.

  Uma praça, cuja fonte ainda jorrava água, surgia na sua frente minutos depois. Contornaram-na, tomando a direção de uma larga escadaria. Uma vez atingido o cimo, o cavaleiro refreou a montada. Encontravam-se agora numa praceta. Preenchida de destroços. Majestosas estátuas de antigos reis haviam sido barbaramente destruídas, a sua memória para sempre violada.

  O belo corcel prosseguiu, agora na direção de um palácio, ou que o fora em tempos, pois quase não passava de um amontoado de ruínas.

Parou em frente da escadaria que dava acesso à porta, inexistente. O cavaleiro desmontou. Com uma estranha elegância subiu os degraus que separavam a entrada do solo, precipitando-se para o interior do que restava do edifício. Os seus passos eram ligeiros, silenciosos, mesmo ao passar sobre os estilhaços de um vitral destruído de forma bárbara. Parou, por instantes, junto a uma tapeçaria, observando o sangue que a tingia. Num movimento rápido rodou para a sua esquerda. Precipitou-se nessa direção percorrendo um amplo corredor, cujas paredes de mármore se encontravam salpicadas de vermelho. Deteve-se ao deparar-se com uma porta minuciosamente trabalhada. Retirou a luva que lhe cobria a mão esquerda, tocando na porta, murmurando uma palavra numa língua desconhecida. Ouviu-se um forte ruído, a porta abriu-se lentamente, permitindo ao cavaleiro entrar numa sala. No seu interior, junto a uma janela encontrava-se uma jovem mulher. A sua pele era rosada, os seus longos cabelos castanhos-claros. Os seus belos olhos de um azul esverdeado fixaram-se no recém-chegado.

    — Temos de abandonar este lugar — anunciou o cavaleiro retirando o elmo que lhe cobria praticamente todo o rosto, deixando vislumbrar uma face delicada de uma perfeição quase inigualável.

  Os seus longos cabelos, loiros como o ouro, estavam apanhados no alto da nuca, deixando visíveis as suas orelhas pontiagudas. Os olhos eram tão claros que recordavam os gelos polares.

      — E os outros? — Perguntou a jovem.

    — Mortos... quase todos. Os que ainda resistem tentam travar o inimigo a três quilómetros daqui. Temos de abandonar esta cidade antes que seja tarde. Se se apoderarem da Estrela todas as raças e este mundo estarão condenados.

A jovem soltou um suspiro, baixando o rosto.

    — Compreendo o que me pedes, Líobhan. Mas não posso partir sem ele — disse, tocando na aliança de ouro branco no seu dedo anelar.

    — Niamh não há tempo, Eogan encontrar-nos-á no local combinado. É um excelente guerreiro, tenho a certeza que escapará às garras do inimigo.

Niamh desviou o olhar para a janela. A sua mão tocou num estranho medalhão que carregava, pendurado num grosso cordão.

    — Não o posso abandonar — murmurou.

  As mãos de Líobhan fecharam-se. Precipitou-se para Niamh, voltando-a para si. Tinha de a convencer a partir. Subitamente um ruído chamou a sua atenção. Líobhan abriu a janela. O vento penetrou na sala, varrendo-a.

    — Eogan — murmurou Niamh, vislumbrando um cavaleiro junto da entrada do palácio.

  A elfo agarrou-lhe na mão. Fizeram o caminho inverso ao que ela havia feito anteriormente, encontrando-se com o cavaleiro junto da tapeçaria. Eogan atirou o elmo para o chão precipitando-se para Niamh, abraçando-a fortemente. Ela reparou que estava ferido.

    — Os outros? — Apressou-se a perguntar Líobhan.

  O recém-chegado fitou-a com uma certa tristeza no olhar.

    — Tentámos tudo, mas o inimigo mostrou-se mais forte. Só com muita sorte consegui deixar aquele lugar com vida. Cadogan  não resistiu aos ferimentos... sucumbiu durante o caminho.

    — Eogan, quanto tempo nos resta? — Perguntou a elfo deixando transparecer a sua aflição.

    — Temo que o insuficiente para deixar esta cidade — o cavaleiro apertou a mão de Niamh.

  Um ruído invulgar propagou-se por todo aquele lugar. Precipitaram-se para a saída. Junto desta começavam a reunir-se estranhos homens, envergando armaduras. Os seus rostos eram duros, com traços rudes, os cabelos longos, lisos e pretos, os olhos da mesma cor; eram altos e extremamente robustos.

    — A vossa resistência é inútil. Entreguem-me a Estrela de Nariën e talvez vos leve para Gragïrdan com vida — proferiu uma voz feminina.

  Os olhos de Líobhan fixaram-se numa mulher sobre o dorso de um cavalo negro.

    — Étaín — murmurou com alguma raiva.

  Étaín desmontou graciosamente. Envergava trajes de batalha, mas os seus longos cabelos pretos, encontravam-se soltos. A sua pele rosada contrastava com os seus olhos escuros. Uma rajada de vento agitou-lhe os cabelos, deixando vislumbrar as suas orelhas pontiagudas. Tratava-se de uma elfo.

    — Traíste o teu povo e juntaste-te a Graciän — proferiu Líobhan, colocando-se em frente dos seus companheiros.

  Étaín soltou uma gargalhada. Avançou até aos degraus do palácio em ruínas.

    — O nosso povo não possui ambição, limita-se a apreciar a beleza das florestas onde habita. Somos muito diferentes dos Homens,

 Líobhan. Somos mais belos, mais sábios, mais fortes... A Estrela de Nariën pertence-nos, pertence ao nosso povo. Mas quando falei com o rei, ele disse que não, que jamais usaria os seus guerreiros para esta batalha. Graciän só deseja o mesmo que eu, mas é um Homem, os anos passarão e dele nem os ossos restarão.

    — Participas numa guerra que não te diz respeito. Queres algo que não te foi delegado. Mesmo se a Estrela devesse pertencer ao nosso povo como afirmas, jamais seria entregue a alguém como tu. Alguém egoísta e invejosa. Pensas que não sei que sentes inveja dos Homens...

    — Não vim até aqui para ouvir sermões sobre o que está certo ou errado — o olhar de Étaín fixou-se em Niamh. — Guardiã, se queres salvar a tua vida e a desse que está contigo, entrega a Estrela e prometo que vos pouparei.

  Niamh apertou o medalhão.

    — Se o fizesse, a vida de todos aqueles que o tentaram proteger teria sido sacrificada em vão. Algo, como o que tenho por missão guardar, nunca poderá cair nas mãos sanguinárias de seres como vocês. Seres controlados pela ganância, cobiça, inveja.

  Os olhos de Étaín faiscaram de ódio. Voltou a sua atenção para um dos estranhos homens junto de si, trocando com este breves palavras.

    — Vocês assim o desejaram — disse.

  Líobhan juntou as mãos. Uma barreira translúcida foi criada na sua frente. Olhou de soslaio para os companheiros.

    — Étaín não terá dificuldade em quebrar a minha magia. Existe uma passagem por trás da tapeçaria. Toquem numa pedra mais lisa que as restantes, sigam o túnel, não olhem para trás, não me esperem... Que a sorte vos acompanhe — disse.

    — Não te podemos abandonar, não depois de tudo o que tens feito por nós! — Exclamou Niamh.

  Líobhan esboçou um sorriso.

    — A minha vida não tem qualquer importância, comparada com a Estrela. O seu poder é capaz de destruir o mundo se cair nas mãos erradas. Vão, eu proteger-vos-ei.

  Eogan baixou o rosto por momentos, a sua mão apertou o punho da espada que transportava na bainha.

    — És uma amiga que nunca poderei esquecer — afirmou.

  Seguidamente agarrou na mão de Niamh, entrando no edifício em ruínas. Líobhan fechou os olhos, antes da sua atenção se concentrar no inimigo. Flechas foram disparadas na sua direção. Todas embatiam na barreira, perdendo-se.

    — Que tamanho altruísmo, Líobhan. Porém, receio que o teu sacrifício seja em vão — proferiu Étaín, antes de quebrar a magia que a sua irmã de raça evocara.

  A elfo de olhos claros puxou do seu arco. Disparou, matando vários inimigos até que estes a cercaram.

    — Matem-na — a frieza inundava a voz de Étaín.

  Líobhan largou o arco e puxou de uma espada, cuja lâmina era feita de um material cristalino. Com movimentos lestos, mas simultaneamente graciosos, derrotava aqueles que a desafiavam.

  Os lábios de Étaín comprimiram-se. Os seus lacaios sucumbiam uns atrás dos outros. Ergueu a mão.

    — Afastem-se — ordenou — Ela é minha.

  Líobhan apertou o punho da sua arma. Os seus olhos seguiam a outra elfo, que se encaminhava para si com passos seguros.

    — És uma das melhores guerreiras do nosso povo. Infelizmente eu sou muito melhor. Eis o teu fim, Líobhan — disse Étaín, desembainhando uma espada de punho vermelho e lâmina negra, como a mais escura das noites.

  A elfo de olhos claros parou a poderosa ofensiva adversária e ripostou sem hesitar. Étaín esboçou um sorriso, bloqueando a espada inimiga.

  Entretanto, Eogan e Niamh chegavam à tapeçaria. Afastaram-na, ele tocou na pedra referida e um túnel foi de imediato revelado. Avançaram ignorando até onde os levaria.

  Líobhan colocou a espada na sua frente, vendo a sua lâmina ser quebrada após o violento contacto com a da oponente. Étaín voltou a exibir um sorriso. Rodou sobre si, elevando uma perna, a qual embateu fortemente na sua irmã de raça. Líobhan foi projectada contra a parede atrás de si, que se desmoronou, soterrando-a.

  A elfo de cabelos escuros aproximou-se. Moveu a mão esquerda, fazendo um gesto como se desse uma chapada no ar. As pedras que soterravam a adversária foram projectadas para longe. Étaín agarrou nos cabelos de Líobhan, forçando-a a olhá-la diretamente nos olhos.

    — Todo o teu esforço foi em vão — disse.

    — Eogan protegerá Niamh. Jamais permitirá que te aproximes dela.

  O rosto de Étaín contraiu-se ligeiramente. Num gesto rápido, a sua espada trespassou um dos ombros da adversária. O grito de dor invadiu o ar.

    — Eogan é um Homem, jamais conseguirá travar-me. Ele morrerá e eu apoderar-me-ei daquilo que desejo — proferiu Étaín.

  Líobhan fitou-a, um sorriso desenhou-se nos seus lábios.

    — Tu nunca triunfarás — disse.

  A espada que lhe trespassava o ombro foi retirada. Étaín olhou-a com desprezo.

    — Só é pena que não estejas viva para assistir ao meu triunfo — disse voltando as costas a Líobhan.

  Os homens que a acompanhavam viram-na montar.

    — Sigam-me — foi a ordem que receberam.

  Não tardou que deixassem a cidade. Mal passaram as portas desta, Étaín obrigou o cavalo a dar meia volta. Ergueu a sua mão direita para o céu. Na palma desta surgiu uma esfera de energia avermelhada.

    — Adeus, Líobhan — proferiu, lançando-a contra o que ainda restava da cidade.

 

                                                                                      ***

 

  Eogan apercebeu-se que o túnel terminava. Reuniu as suas forças para deslocar a rocha que tapava a saída. Estava novamente na planície. Voltou-se, estendendo a mão para Niamh, ajudando-a a deixar o túnel.

    — E agora? — Foi a pergunta dela.

    — Seguiremos para a aldeia dos anciãos.

  Subitamente o chão tremeu. Voltaram-se na direção da cidade, vendo uma estranha luminosidade envolvê-la. Em segundos, os edifícios que ainda se mantinham de pé foram destruídos. Da cidade, outrora bela, nada mais restava.

  Eogan fechou os olhos. Avançou alguns passos, detendo-se quando a mão de Niamh apertou fortemente a sua. Fitou-a. Uma película de água invadia-lhe os olhos.

    — Sinto que não vamos conseguir, meu amor — murmurou ela.

  Ele deixou o rosto descair. O vento despenteou-lhe os cabelos escuros, deixando visível um ferimento na testa. Os olhos de Eogan fixaram-se na aliança que trazia no dedo, idêntica à de Niamh.

    — Irei proteger-te sempre — afirmou.

  Ela apoiou a cabeça no peito dele. Os braços dele envolveram o corpo dela.

  O galope dos cavalos tornou-se bastante audível. Eogan puxou da sua espada, colocando-se na frente da esposa. Um cerco formou-se em seu redor. Étaín parecia divertida, pois um sorriso percorria-lhe os lábios.

    — Finalmente acabou — foram as suas palavras, antes da ordem de ataque.

  Eogan preparou-se, a sua expressão tornou-se insondável. A sua lâmina foi rapidamente manchada pelo sangue inimigo. Porém, jamais seria capaz de vencer todos os adversários. Não tardou que o seu sangue pingasse no solo árido.

    — Eogan! — Gritou Niamh precipitando-se para ele.

  Um dos atacantes entrepôs-se entre eles, impedindo-a de se aproximar do esposo. Étaín fitou o último homem que se entrepunha entre ela e a guardiã, admirando a sua bravura. Desmontou, ordenando aos seus lacaios que se afastassem.

    — Eogan, por tua causa esta guerra durou mais que o previsto, mas eis que estás aqui, perante mim ferido e a sangrar. Devo admitir que o rei fez uma escolha acertada ao nomear-te capitão, mas tal como o teu soberano, não te resta mais nada do que a morte.

  A elfo puxou de uma espada presa às suas costas. O seu punho era de prata e a lâmina cristalina tinha o seu nome gravado na língua dos Elfos.

    — Demonstraste sempre grande bravura em batalha, pelo que dar-te-ei a honra de me enfrentar — disse.

  Os dedos de Eogan apertaram o punho da espada. O vento soprou com uma intensidade assustadora. Uma nuvem de poeira cobriu tudo por alguns segundos. Étaín atacou com uma investida rápida, o seu oponente bloqueou-a, ripostando. Contudo, estava ferido e exausto, depois de ter lutado durante vários dias sem descanso. Além disso, Étaín era uma Elfo, e tal como a maioria destes, a sua perícia era muito superior à das restantes raças. Rapidamente ela ganhou vantagem sobre o adversário, que sentiu o seu corpo ser ferido consecutivamente.

  Niamh seguia a luta. O seu coração batia desenfreadamente, dando-lhe a terrível sensação de parar, sempre que o seu esposo era ferido.

  Num contra-ataque, Eogan feriu o rosto da adversária. O sangue da elfo pingou no solo poeirento. Étaín levou a mão à face, trazendo-a com sangue. Esboçou um sorriso.

    — Adeus, Eogan — proferiu.

  A espada dela quebrou a defesa dele, enterrando-se-lhe no abdómen, sob a costela direita.

    — Não! — Gritou Niamh, precipitando-se para o esposo.

  Étaín sorriu maliciosamente. Um brilho cruel brotou nos seus olhos, fixos nos de Eogan. Num movimento lesto a sua espada trespassou o corpo dele.

  Eogan abriu a mão direita. A espada que segurava soltou-se, embatendo no solo com um ruído abafado. A elfo puxou a arma. A lâmina deixou o corpo do capitão envolta em sangue.

  Os joelhos de Eogan embateram no solo, os seus olhos contemplaram o céu, um fio de sangue escorreu-lhe pela boca.

    — Não... — balbuciou Niamh entre lágrimas, parando a escassos metros daquele com quem casara.

  O vento soprou fortemente. Os seus cabelos esvoaçaram, enquanto se deixava cair. As suas lágrimas precipitaram-se na direção da terra.

    — Se não queres ter a mesma sorte que o teu esposo, entrega-me a Estrela de Nariën e pouparei a tua miserável vida, guardiã — proferiu Étaín.

  Niamh levou a mão ao medalhão, agarrando-o, afastando-o de si.

    — Destruíste milhares de vidas inocentes por causa deste objecto... Desejas a Estrela, pois irás tê-la — disse.

  A expressão de Étaín tornou-se anormalmente séria, ao vê-la elevar na palma da mão o medalhão.

    — Estrela de Nariën ouve o meu pedido. Liberta o teu poder!

    — Proferiu a guardiã.

    — Não! — Gritou a elfo empalidecendo.

  O vento tornou-se mais forte do que nunca. As nuvens que cobriam o céu escureceram, desencadearam-se relâmpagos que atingiram o solo e percorreram as nuvens. A terra tremeu abrindo profundas fendas que engoliram aqueles que acompanhavam Étaín.

    — Para ou vais matar-nos a todos! — Gritou esta.

  Niamh fechou os olhos. Uma luz dourada envolveu o seu corpo. A forma do medalhão começava a modificar-se. O chão tremeu violentamente, os relâmpagos produziam um som inimaginável. Nas mãos da guardiã surgiu um bastão dourado com uma estrela de seis pontas na extremidade superior. Niamh elevou-o o mais que lhe era possível. Os seus olhos contemplaram o céu tenebroso sobre si. Lágrimas escorreram-lhe pelo rosto ao recordar-se do dia do seu casamento.

    — Nariën. — gritou.

  A estrela no cimo do bastão emitiu uma luz intensa.

    — Para! — Pediu Étaín, sendo incapaz de manter o equilíbrio.

  Os olhos de Niamh fixaram-se nela.

    — Nariën, como tua guardiã evoco o teu poder — proferiu em voz audível.

  Uma luz branca precipitou-se para o céu. As nuvens começaram a rodar em torno do canal de luz. O vento intensificou-se, elevando rochas gigantescas como se fossem simples plumas.

    — Não! — Gritou Étaín sendo engolida pelo abismo.

  Niamh encaminhou-se para Eogan. À medida que o fazia, sentia o seu corpo enfraquecer, a sua vida era sugada pelo poder da Estrela.

  Eogan voltou o rosto na direção da esposa, vendo-a cair a poucos passos de si.

    — Eogan... — murmurou Niamh.

  Largou o bastão. A luz que se projectava deste expandiu-se como uma onda de choque percorrendo o ar e a terra.

    — Niamh... — balbuciou Eogan esticando a mão para ela.

  Os seus dedos tocaram-se, os seus olhos contemplaram-se.

 

                                                                                      ***

 

  Líobhan abriu os olhos. Sobrevivera ao ataque de Étaín, contudo ostentava ferimentos por todo o corpo.

    — Vou proteger-te — ouviu.

  Voltou o rosto, vendo alguém. Uma silhueta que não conseguia definir, mas que lhe era familiar.

  Os seus olhos abriram-se anormalmente, ao sentir um poder como nunca antes sentira vir na sua direção. A pessoa que se encontrava junto a si voltou-lhe as costas, juntando as mãos em frente do peito, segurando firmemente algo nestas, ao mesmo tempo que soltava um grito. Um escudo mágico foi criado, sendo no segundo seguinte atingido por uma energia avassaladora, que desfez em pó tudo aquilo em que tocou.

  Seguiu-se um silêncio inquietante. Líobhan levou uma mão à testa fechando os olhos, abrindo-os ao ouvir um gemido. Foi então capaz de perceber quem a protegera.

    — Jar... — murmurou.

  Gotas de sangue pingaram no solo, quando Jar se ergueu, fitando-a.

    — Uma milésima parte do poder da Estrela foi libertado pela sua guardiã — proferiu tristemente.

  O coração da Líobhan disparou, os seus olhos inundaram-se de lágrimas, que se precipitaram pelo seu belo rosto.

    — Niamh... — murmurou tentando erguer-se.

  Jar, um elfo de longos cabelos negros e feições igualmente belas, ajudou-a. Líobhan pediu-lhe que a levasse até ao lugar onde o poder da Estrela fora libertado. Ele concordou, amparando-a.

  Os seus pés, que outrora pisaram a sumptuosa calçada de uma magnífica cidade, não pisavam agora nada mais do que terra. Não era visível uma única rocha, a mais pequena erva daninha, nada, simplesmente areia preenchia todo aquele lugar. O vento soprava, provocando gigantescos remoinhos.

  Após algum tempo Jar parou. Líobhan afastou-se alguns passos vislumbrando ao longe, o que pareciam ser dois corpos. Precipitou-se na sua direção, cambaleando devido aos ferimentos.

Caiu junto deles, as suas mãos, trémulas, tocaram nas deles, dadas.

    — Eogan... Niamh... — balbuciou incapaz de conter a torrente de lágrimas que jorrava dos seus olhos.

  Jar aproximou-se, a sua expressão exprimia tristeza.

    — Deram as suas vidas para salvar este mundo — murmurou.

  Líobhan apertou as mãos dos amigos nas suas. Ergueu a cabeça para o céu avermelhado.

    — Jamais vos poderei esquecer meus amigos, meus irmãos — proferiu.

  Sentindo a mão de Jar pousar-lhe no ombro, fitou-o.

    — Uma vez libertado o poder da Estrela, este varrerá o mundo.

  A morte dará lugar à vida e uma nova Era terá início.

  Os olhos claros da elfo desviaram-se do rosto dele.

    — Também conheço a lenda da Estrela de Nariën — murmurou.

  Jar apertou-lhe o ombro.

    — Já nada temos a fazer aqui. Regressemos a casa — disse.

  Líobhan ergueu-se, contemplando demoradamente os corpos dos amigos, vendo a serenidade presente nos seus rostos. Subitamente ficou chocada, ao aperceber-se que os lábios de ambos desenhavam um sorriso. Jar fitou-os, vendo os seus corpos transformarem-se em pó nos instantes seguintes. No solo ficaram unicamente as alianças que ambos traziam nos dedos.

    — Acabou — murmurou com pesar.

  Líobhan baixou-se, retirando do solo estéril as duas alianças. Fechando-as na sua mão.


Pode adquirir o primeiro volume da trilogia

bottom of page